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POIPOIDROME

uma exposição do Latitude22

 

 

Adriana Amaral, Ana Nehemy, Cassio Soares, Célia Aloi, Daré, Diana Módena, Eny Aliperti, Keytielle Mendonça, Leda Braga, Lolô Junqueira, Renata Lara, Sérgio Nunes, Vera Barbieri, Weimar, Yolanda Cipriano

 

 

Poipoidrome é uma invenção do artista Robert Filliou, um projeto realizado em colaboração com o arquiteto Joachim Pfeufer a partir de 1963. Trata-se de um espaço aberto à criação artística, um quadrado de 24 metros dentro do qual existem quatro salas principais com todo tipo de estímulo capaz de integrar a arte com o cotidiano. Espaço expositivo e reflexivo, destinado à ação artística conforme definem seus inventores, o Poipoidrome visava suscitar a expansão territorial da arte, entendendo-a simultaneamente e de modo paradoxal como uma ferramenta e um motor da vida. Em Optimun, uma versão dos Poipoidromes que nos interessa particularmente no contexto da exposição do grupo de pesquisas em poéticas visuais Latitude22, o espectador se deparava com a seguinte frase, escrita em uma grande roda: arte é o que fazem os artistas. Em uma parte da estrutura do Poipoidrome Optimun o participante podia escrever o nome de alguém aleatoriamente. Na parte de trás da máquina, o nome escrito aparecia compondo a seguinte frase: “Fulano” faz o que fazem os artistas.  “Fulano” é artista.

 

Poipoidrome é uma dentre muitas invenções inscritas na segunda metade do século XX que reconfigura o estatuto do artista e da produção artística, eliminando de ambos a aura com a qual conviviam por séculos. Ainda assim, vale notar que nomear à exposição de um grupo de artistas residentes em Ribeirão Preto não pretende criar qualquer genealogia com o pensamento conceitual de Filliou. De fato, a relação com os Poipoidromes interessa-nos neste projeto no que eles têm de expansivos, em seu descompromisso com circunscrições territoriais que delimitam a arte e o ofício do artista. E mesmo que o nome do grupo de pesquisas identifique geograficamente sua localização, o processo criativo de cada artista extrapola os limites territoriais em que estão inseridos. O grupo de artistas está interessado em construir circuitos, em participar da formação do público local, em associar a produção simbólica de uma região com experimentos sedimentados na história da arte do século XX, participando ativamente do que virá a ser a história das primeiras décadas do século XXI. Por conta disso, o propósito do grupo e consequentemente o de cada artista que o integra é de manter o pensamento expansivo da arte, acompanhando o fluxo criado por um grupo significativo de artistas do século XX. Para além desses objetivos explícitos, o Latitude22 se encontra com o pensamento dos Poipoidromes no que cada um tem de heterogêneo, multidisciplinar, e sobretudo na definição dada por Robert Filliou, que o definia como o lugar da “criação permanente”.

 

Distante da ideia de produção colaborativa, cada artista do L22 elabora seu procedimento de trabalho, seja desenvolvendo suas obras em ateliê ou por meio de pesquisas experimentais, semelhantes as desenvolvidas em laboratórios. Seus processos criativos exigem ora a construção de coleções de objetos manufaturados e/ou descartados pela sociedade de consumo, ora o desenvolvimento de pesquisas de campo, cientificas ou históricas, visando compor com informações de ordens e origens variadas, linguagens poéticas com o rigor de etnógrafos, pesquisadores, cientistas ou antropólogos. A noção de arte experimental é então dividida entre a transfiguração do vivenciado pelo artista, ou por pessoas com quem ele mantém contato, e pelo processo de trabalho por meio do qual o artista desenvolve pesquisas ou planos de trabalho sistemáticos. Em ambos os casos, é comum identificarmos o interesse de alguns artistas pela complexidade decorrente das relações humanas, o estado psicológico do sujeito contemporâneo e as problemáticas envolvendo o confronto com a passagem do tempo. Seja por meio de  pintura, objeto, desenho, fotografia ou instalação (Eny Aliperti, Daré, Celia Aloi, Leda Braga, Cassio Soares, Keytielle Mendonça) cada artista se engaja em restituir valores ausentes, em tornar visível a vulnerabilidade do sujeito e a denunciar o modo operante da sociedade contemporânea face ao processo de massificação da cultura.  Em outras ocasiões, é o confronto e a experiência do artista face à história da arte - para a qual ele deixa seu recado – que determina sua produção (Leda Braga, Diana Módena, Daré, Sergio Nunes, Weimar). Em decorrência do descaso face à história da produção simbólica, muitos artistas trabalham na intersecção da arte e linguagem, eliminando a fronteira de tais disciplinas e propondo reinterpretações de signos que a sociedade transformou em produto de consumo. Eles se interessam pela noção de obsolescência programada e pela perda de repertório visual, lidando de modo poético com a subversão de valores, a fragmentação do sujeito e as implicações diretas na perda da memória. Outros, interessados em potencializar a intimidade de suas ações passadas e presentes, permitem que a carga poética de cada ação cotidiana receba o lugar merecido no território da arte (Yolanda Cipriano, Adriana Amaral, Vera Barbieri, Eny Aliperti). Criando narrativas ficcionais ou autobiográficas, essas artistas partem para a construção de mitos individuais, propiciando recursos capazes de alterar a maneira com a qual observamos nossas primeiras experiências, assim como os traumas e lembranças que carregamos na memória. Quando dissociada de um discurso intimista, a carga narrativa da arte pode dirigir o espectador a universos onde a escala objetiva da paisagem é posta em segundo plano. Favorecendo a construção cromática da pintura pela superposição de cores diluídas, essas pinturas edificam mundos onde as figuras e a paisagem parecem desconsiderar as leis da perspectiva (Ana Nehemy). Privilegiando uma experiência pictórica, essas obras nos conectam a paisagens improváveis porém reais em seu estado imaginativo. Em outras situações, a figura do artista em deslocamento é evocada. Na exposição, ela aparece em duas séries (Lolô Junqueira e Renata Lara) que constituem um conjunto sintético de imagens, cada qual com particularidades geopolíticas distintas. Embora algumas informações cheguem até nós em tempo real por meio de noticiários e páginas jornalísticas da internet, essas obras certificam-nos de que é por meio da arte que certos eventos e paisagens de nosso tempo são reconfigurados poeticamente, ou mesmo revelados ao público com a veemência negada por outros sistemas de comunicação. A fotografia dessas artistas deixam de ser o retrato bucólico de locais e pessoas. Ela é antes a maneira de retraçar a presença do homem em paisagens complexas e sua problemática reinserção social. Ou ainda imagens que se assemelham a pesquisas topográficas de locais distantes e de realidades culturais aparentemente sem qualquer relação com a que vivemos em nosso cotidiano.

 

Por fim, vale mencionar que Poipoidrome é uma exposição de artistas que questionam seu próprio estatuto. Que interrogam o espectador ao mesmo tempo em que apresentam-lhe suas produções recentes. Suas interrogações, divididas com o espectador, deixa claro seu lugar na arte atual. Toda visita deve ser acompanha dessas questões que pretendem instigar o debate sobre o que é ser artista e quais procedimentos de trabalho ele deve adotar? Por qual circuito sua obra deve passar para ser legitimada? Qual o ritmo de trabalho e lugar de formação do artista? E também, qual é seu lugar de trabalho e quais são os limites para a construção de linguagem poética? Se tudo é arte e todos são artistas, para que as exposições? E, para que servem as exposições?

 

Josué Mattos

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